Além da cor: o valor e os desafios dos criadores negros na indústria criativa brasileira
- Gabriela freire freitas
- 11 de out. de 2024
- 6 min de leitura

"Eu não era tímida, eu fui silenciada"
Essa citação, está presente na introdução do livro “Quem tem medo do Feminismo Negro?” de Djamila Ribeiro, que reflete os silenciamentos e opressões que sufocam diariamente as pessoas racializadas, fazendo-as acreditar que suas vozes não têm valor ou nunca serão ouvidas
Essa falta de escuta da sociedade em relação às pessoas negras, não apenas no que diz respeito à sua negritude, mas em todos os aspectos possíveis, resulta em um silenciamento ao seu redor. Pessoas negras não encontram espaço para expressar suas opiniões, sendo elas dentro ou fora da internet, e isso muitas vezes é interpretado como uma falta de desejo de se manifestar, com falas “você não faz por que não quer”, por exemplo. A branquitude silencia as pessoas negros e os acusa de não querer falar, sendo que tudo que as pessoas negras querem é serem ouvidas.
Influenciadores digitais (ou digital influencers, em inglês) estão se tornando cada vez mais reconhecidos por diversos públicos na internet e ganhando popularidade, especialmente, em plataformas como Instagram, Facebook e YouTube. Nos espaços vibrantes da internet e das mídias sociais, pessoas que criam conteúdos conseguem disseminar informações para seus públicos, formando comunidades ao redor de suas opiniões e imagem pessoal. Elas se destacam pela habilidade de atrair um grande número de seguidores. Essas figuras influentes se destacam em seus canais ao tratar de temas específicos em seu nicho e têm o poder de tornar uma informação viral em questão de minutos.
Apesar de pessoas negras estarem presentes em parte dos materiais de mídia, essa representação muitas vezes resulta em objetificação sexual e estigmatização como moradores de favelas, criminosos ou de mau caráter - mostrando que a imagem do negro é frequentemente ligada a conotações negativas, sendo invisibilizada ou associada à desvalorização e marginalização. Em contraste, a imagem da pessoa branca é constantemente associada a aspectos positivos e ainda hoje é vista como o padrão de beleza a ser alcançado
Influenciadores negros enfrentam essa realidade, conforme revelado pela pesquisa Black Influence - um retrato dos creators pretos no Brasil (2020), que indica que esses criadores são alvo de discursos racistas nas mídias digitais. Embora o estudo mostre que 67% dos influenciadores digitais entrevistados não foram vítimas de discursos de ódio na internet, essa porcentagem muda significativamente quando se considera a questão racial. Cerca de 40% dos influenciadores negros e indígenas relataram ter sido alvo de tais discursos, sendo o racismo o principal tipo de preconceito identificado. No Brasil, país reconhecido pela diversidade étnica e cultural, os criadores negros na indústria criativa enfrentam uma realidade marcada pela desigualdade estrutural e pela falta de reconhecimento de seu talento e contribuição. A identificação do público com esses influenciadores permite que as pessoas vejam suas realidades e experiências refletidas, promovendo uma sensação de inclusão e pertencimento. E apesar dos avanços sociais e das discussões sobre diversidade e inclusão, persiste uma desigualdade estrutural que muitas vezes invisibiliza o trabalho e talento dos profissionais negros na indústria criativa.

A marginalização dos criadores negros na indústria criativa não é apenas uma questão de equidade, mas também um reflexo das estruturas sociais profundamente enraizadas que perpetuam o racismo e a exclusão. Miss Black divine, influenciadora digital negra desde 2012, pontua que o principal desafio sempre foi a criação de conteúdo entre pessoas brancas e pessoas negras. “criadores brancos tem muitos mais números e por mais que falem que isso não é importante, é atrás disso que as marcas estão, mas mesmo um criador negro tendo esses números, a cor da pele fala mais alto. E mesmo que o criador branco sempre passe por polêmicas, a gente sempre vê eles trabalhando, isso significa muita coisa.” disse a influenciadora.
O reconhecimento e valorização de seus trabalhos não só promovem a justiça social, mas também enriquecem a criatividade e diversidade da produção cultural brasileira. É fundamental que sejam criados espaços e oportunidades que permitam o pleno florescimento dos talentos negros, garantindo uma representação mais autêntica e inclusiva na indústria criativa.
“Acredito que o preconceito é algo enraizado. É algo que muitas pessoas não têm consciência, ou até mesmo pensam que é bobagem, que todos somos iguais etc. mas é uma camada muito mais profunda. Você consegue ver pessoas brancas viralizando com vídeos simples e bestas, já pessoas pretas só viralizam na sua grande maioria com conteúdos engraçados, polêmicos ou quando fazem uma mega produção” afirmou o o influenciador Abner Almiro sobre o preconceito e a presença de influenciadores negros dentro das mídias.
Na indústria criativa, essa realidade se manifesta de diversas formas. Apesar de contribuírem significativamente para a cultura e identidade nacional, os criadores negros frequentemente sofrem com a falta de reconhecimento e oportunidades em comparação com seus pares brancos. Seja na música, no cinema, na literatura, na moda ou nas artes visuais, a presença e o trabalho dos profissionais negros muitas vezes são invisibilizados ou subestimados.
Um dos principais desafios enfrentados pelos criadores negros é a falta de representatividade e visibilidade nos espaços

de destaque da indústria criativa. Nas mídias tradicionais e nas redes sociais, os profissionais negros são sub-representados, o que dificulta ainda mais o reconhecimento de seu talento e potencial. Além disso, a falta de acesso a recursos e financiamento adequados também limita as oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional para os criadores negros. “uma coisa muito importante quando falo sobre oportunidades e visibilidade é realmente enxergar as inúmeras potências que temos por todo canto apenas esperando uma oportunidade, pois ainda existe mesmo dentro dessa área uma “bolha” de criadores de conteúdos e artistas que parece que são os únicos convidados pra tudo. sempre os mesmos rostos, as mesmas pessoas. e isso não é de forma alguma uma crítica ou ataque a essas pessoas, fico muito feliz por ver os meus alcançando espaços que antes nos eram negados, o problema está nas empresas em si que se acomodam e não exploram outras pessoas, outros talentos. É como se fosse uma “cota” pra que não sejam taxados de racistas mas no fundo, usam da nossa imagem para construir essa imagem falsa de inclusivos.” comenta a influenciadora Sasa Caetano.
A diferença de pagamento entre influenciadores negros e brancos é uma ferida aberta na comunidade digital. Muitos influenciadores negros relatam receber compensações significativamente menores do que seus colegas brancos, mesmo quando seu impacto e engajamento são equivalentes. Essa disparidade financeira reflete não apenas uma injustiça econômica, mas também uma falta de valorização do trabalho e da voz dos influenciadores negros. “Já tive campanhas onde meu cachê foi menor do que de outros Influencers, e eu por ser preto de “pele mais clara” sempre fui chamado para ser a cota das campanhas, mas na hora de receber meu cachê era bem inferior.” afirmou Abner, apenas confirmando que por mais que pessoas negras apareçam em campanhas e sendo “valorizadas” nas telonas, nunca vamos saber o que acontece por trás de tudo isso e que, às vezes seus esforços nunca vão chegar perto dos influenciadores brancos pelos olhos da mídia preconceituosa e estereotipada.
A noção de "jugo desigual" levanta questões profundas sobre a natureza persistente do racismo e a dificuldade em alcançar uma verdadeira igualdade em uma sociedade que há tanto tempo foi moldada pela supremacia branca. Essa consciência da desigualdade arraigada pode ser desanimadora, mas também serve como um chamado à ação para a mudança. Reconhecer e confrontar esses padrões é o primeiro passo crucial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, onde todas as pessoas são valorizadas e respeitadas independentemente de sua cor de pele.
Um estudo realizado pela Squid, Black Influence, Sharp, Site Mundo Negro e YouPix revelou que, apesar de o Brasil ter 56% de sua população auto declarada negra, os influenciadores negros ganham menos e são menos contratados. Apesar de os negros representarem mais de 50% da população brasileira, eles ainda enfrentam desafios significativos no mercado de influência digital.
Em um ambiente onde algoritmos muitas vezes privilegiam conteúdos de criadores brancos, é comum que suas mensagens se percam no ruído digital. E mesmo quando alcançam uma audiência, muitas vezes enfrentam o desafio de serem subestimados ou estereotipados, uma manifestação dolorosa do racismo sistêmico que permeia a sociedade. “Meu trabalho já foi muito desvalorizado, quando você é preto, principalmente uma mulher preta, você precisa sempre estar fazendo o máximo, o extraordinário, pra ainda assim receber metade da valorização, moral e principalmente financeira, do que de uma pessoa branca, que muitas vezes não se dedicou tanto quanto você”. disse Sasa.
Neste mundo digital, onde cada clique pode moldar realidades e cada palavra pode tocar corações, é crucial lembrar do poder e do impacto dos influenciadores negros. Suas histórias, suas lutas, suas vitórias não são apenas parte de uma narrativa digital, mas sim um reflexo profundo das complexidades e desafios enfrentados por comunidades marginalizadas em todo o mundo.

À medida que navegamos por feeds repletos de posts brilhantes e vídeos que nos prendem a cada passada para o lado, devemos nos questionar: quem está por trás dessas telas? Quem são os rostos e as vozes que não estão recebendo a atenção e o reconhecimento que merecem? Como podemos quebrar o estereótipo e de fato dar o real valor a esses
influenciadores? “
Eu acho que hoje estamos sendo inseridos mais do que antes, mas a luta não acabou. Nunca somos a maioria em uma campanha, e isso acaba gerando concorrência entre pessoas pretas. Isso é triste.” afirma Abner.
É hora de reconhecermos o valor intrínseco das narrativas negras, de amplificar suas vozes e de apoiar seus esforços. Portanto, que possamos ouvir, aprender e agir. Que possamos nos unir em solidariedade, erguendo suas vozes e defendendo suas causas. E que possamos, juntos, construir um mundo onde todos os criadores de conteúdo, independentemente de sua cor de pele, sejam verdadeiramente valorizados, respeitados e celebrados por quem são e pelo que representam.
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